sábado, 10 de abril de 2010

09/04/2010 – Uma grande abertura









Dionízio do Apodi

Chegamos em Caxias no início da tarde. É a primeira vez que apresentaremos no Estado do Maranhão. De cara, já fomos conhecer o espaço da apresentação, e conceder entrevista na filial do SBT. A secretária de cultura do município é uma senhora, professora aposentada, chamada Valkíria. Ela é muito simpática, chique, e prestativa, também. Fiquei ‘morrendo de dó’ quando cheguei na praça que seria realizada a apresentação, e vi uma estrutura de som, bem grande. Pensei que na noite anterior talvez tenha se apresentado uma banda, mas foi exatamente para nós usarmos. No centro da praça um tablado montado para a gente também. Aí vem a explicação do ‘morrendo de dó’. É porque não tínhamos como usar nem o palco nem o som que eles, carinhosamente colocaram para nós. Temos nossa estrutura própria, como havíamos acertado com Dona Valkíria. Mas por bondade até, querendo nos receber bem, fizeram isto para nós.
Montamos a nossa estrutura e o pessoal da Secretaria de Cultura trouxe as cadeiras para o público, e começou a arrumar. Era muita cadeira, e eu fiquei com medo de não conseguirmos preencher tantos lugares. Mas a verdade foi que para atender a público tão grande, precisaríamos de mais um dobro ou triplo das cadeiras que lá estavam. Foi muita gente. Nosso maior púbico neste projeto até aqui, foi hoje. Como é bom apresentar para um público grande, que quer assistir o espetáculo.
Quando nos preparávamos para a apresentação, já ouvíamos Zelito Coringa abrindo a noite com seu repertório, e o público querendo, participando, aplaudindo. E quero registrar, que antes de Zelito Coringa, a banda municipal tocou algumas músicas. Literalmente fomos recebidos em Caxias, no Maranhão, com banda de música. Montaram um parquinho para crianças, ao lado da praça devido ao nosso projeto, e os vendedores ambulantes venderam muito. Que lindo!
No meio da apresentação d´A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró, começou a neblinar. Aliás, antes do espetáculo já caíam alguns pingos do céu. Seguramos até a cena da janela, e aí não deu. Começou a cair pingos mais fortes, e tivemos que parar e explicar ao público que teríamos que aguardar, porque nossos equipamentos não poderiam entrar em contato com água. O povo entendeu, e aguardou. E quando vimos que daria para continuar, tiramos as lonas de proteção dos equipamentos, e continuamos, de onde havíamos parado.
O público continuou, mas depois da pausa, houve alguma dispersão, e demoramos um pouco a colocar o público no clima do espetáculo. Mas deu certo, foi muito bom, e fomos bastante aplaudidos. Aliás, em vários momentos do espetáculo o público aplaudia calorosamente.
Depois do espetáculo, desmontamos tudo, organizamos nas vans, fomos comer, e depois cama. Estavam todos cansados. Nesta fase da viagem, Deyse está gripada, e bem debilitada. Camila também já passou por isso, sem contar Maxson que estava meio baquiado, Ludmila está com tosse desde o início, e Antônio Marcos rouco. O grupo ainda não sabe tirar proveito do repouso para os espetáculos. Apesar da maratona, às vezes não encontro o ‘profissionalismo concentrado’ que Maneco Nascimento, de Teresina, escreveu sobre o nosso grupo. O cuidado com a voz precisa ser mais de verdade. E que bom os microfones na rua. Não há necessidade de grito, e todo mundo entende. Só não quero me acostumar somente com eles. Quero minha voz pronta para o microfone, e para falar sem ele, também.
Finalizando, coloco aqui o último comentário de Maneco Nascimento sobre o nosso trabalho, a partir do que ele viu na terra dele, Teresina. Hoje ele comenta sobre O Pulo do Gato.



vidas animais
Cães e Gatos
por maneco nascimento


Para quem achava que já havia visto tudo, parda surpresa. Depois da luxuosa performance d’O Pessoal do Tarará nas ricas montagens de “O Inspetor Geraldo” e “A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró”, foi a vez da reconfortável aula de teatro para gregos e anglicanos, sejam de Tróia ou de Teresina.
O espetáculo “O Pulo do Gato”, sem deixar de ser mágico mundo da fantasia criadora do teatro expressionista, é também força motriz avassaladora do homem para a arte e da arte para as respostas de recepção do coletivo. Contamina a audiência, compraz, refuta, abre as + diversas margens de interpretações, tornando o ato em si no teatro mais vivo que se pode vislumbrar.

“O Pulo do Gato” é um espetáculo sem falas, da lingüística normativa, em que os atores revertidos de cachorros e gato expressam sentimentos “animais”, através do corpo, de latidos e miados. Prosopopéias fascinantes, num tênue limite entre fantasia e realidade, em que nunca se sabe ao certo onde está o bicho ou o homem.
Sentimentos humanos dessacralizados de situações corriqueiras de violência, carinho, solidão e amizade postas à prova, têm nos corpos falantes dos atores emblemáticas e expressionistas siglas e signos para os + distintos significados e significantes. Reproduzem radicais feras que ficaram amaciadas no contexto racional, mas que parecem preservadas no primitivo limbo do plano natural, quando houve a separação do animal rude para almejar o sapiens sapiens.

O interior de cada ator parece desaguar na “fábula perigosa” em que os atores interpretam a vida comezinha de cães e gato. Segundo o Grupo, o espetáculo partiu da necessidade de valorizar o encontro do ator com o espectador, como o maior momento do teatro e, por isso, assume a influência do Teatro Pobre de Grotowski, dispensando uma maior atenção para as inúmeras possibilidades disponibilizadas à expressão do intérprete, sem a necessidade de figurinos, cenário, música instrumental e da própria linguagem humana.

Não se questiona a falta do humano nas atitudes “animais” do desenho dramático confeccionado. O espelho invertido de Alice é fato presente sempre e cada convidado ao enredo recupera sua própria recepção. O espetáculo “O Pulo do Gato” salta todos os telhados de vidro e deixa sua marca, martelando fragmentos na areia aquecida que parecia nos afastar das vidas certinhas forjadas ao olho social.

A metáfora não poderia ter sido melhor construída. É compreendida por qualquer pessoa, porque a vida é como ela é e, no teatro, ganha energia que choca, embevece e guarda novidades para serem lambidas, mijadas e digeridas posteriormente. Assim é “O Pulo do Gato”, d’O Pessoal do Tarará.

A Direção de Dionízio do Apodi é sublime. O que dizer da Preparação Corporal de Rodrigo Silbat que deixa a platéia hipnotizada. A Preparação Vocal de Alzeny Melo não deixa ruídos para interpretações vazias. A Iluminação de Alex Peteka e Dionízio do Apodi e a Produção de Ludmila Albuquerque e Rosi Reis fecham a pintura da paleta contemporânea para gêneros textuais diversos.

Caso haja uma conspiração do universo para as cenas de cães e gato construídas pelos cachorrões Joli(Madson Ney), Jupi(Antonio Marcos), Gugu(Alex Peteka) e o dissimulado gat(inh)o Mingau, de Maxson Ariton, nada foi desperdiçado das aulas de "adestramento doméstico" realizadas pela equipe de dramaturgia d”O Pulo do Gato”.

Teresina nunca + será a mesma, depois da passagem furiosa desse furacão de arte e cultura chamado “O pessoal do Tarará”.

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