sexta-feira, 9 de abril de 2010

08/04/2010 – É preciso coragem para viver e sentir saudade









Dionízio do Apodi

Infelizmente chegou o nosso último dia de apresentações em Teresina. Já estou com saudades. Fizemos duas sessões do espetáculo O Pulo do Gato, numa sala do Teatro João Paulo II, com cinqüenta pessoas cada apresentação. Sabíamos que iríamos ter muita gente para assistir, mas precisávamos de um número reduzido, porque o espetáculo foi montado para isso.
Na primeira sessão tivemos um público bastante infantil, grande parte formado pelos alunos do balé do teatro, afinal de contas estávamos usando a sala deles. Como O Pulo do Gato é um espetáculo cheio de cenas mais impactantes, de tortura, sugestão de estupro, etc, adaptamos, sem problemas, para que o público infantil pudesse assistir, e foi divertido para todo mundo. Deixamos O Pulo do Gato mais para circo do que para a nossa idéia original. E foi boa a experiência. Na segunda sessão privilegiamos um público mais adulto, e fizemos o espetáculo como deveria ser.
Acho que os atores ainda não descobriram a essência do espetáculo, e muitas vezes não sabem o que estão fazendo. Mas o importante é que fazem. Temos muito o que melhorar neste espetáculo, mas saí com a certeza de que o público gostou muito deste espetáculo onde o grupo não utiliza a palavra. Na segunda sessão, para o público mais adulto, os atores arrancaram grandes gargalhadas da platéia. Mas nas partes mais dramáticas fiquei com um desejo de quero mais, porque o elenco já fez este espetáculo melhor.
No hotel, convoquei todos para um quarto para conversarmos sobre o espetáculo. Escutei alguns, e depois falei das minhas impressões. Eu esperava mais. Mas valeu. Apresentar em Teresina é sempre muito bom. Quero voltar em breve.
Nesta sexta-feira já vamos para o Maranhão, mas confesso que estou com saudade de Mossoró, também. Neste momento, queria dar uma passada por Mossoró e ver meus pais de perto. “Saudade é um parafuso que dentro da rosca cai. Que tem que entrar trocendo porque batendo não vai. Depois que enferruja dentro, nem destrocendo não sai”. Tenho 31 anos, sou jovem, mas a busca pelos meus objetivos de forma convicta me trouxeram muitos desafios que tive que enfrentar, e ainda enfrento, e que me envelheceram um pouco. Não, a palavra certa é calejaram. As vezes tenho a impressão que tenho cinqüenta anos, na experiência. Estes desafios de que falo me amadureceram mais cedo do que o normal. Hoje vejo a vida de uma forma mais clara, sem entendê-la, mas querendo vivê-la.
Fernanda Montenegro falou que “a vida é um breve adeus”, e eu concordo plenamente. Nós estamos sempre nos despedindo de quem gostamos, sempre partindo de um lugar para outro, como agora, indo embora de Teresina e ficando um vazio dentro da gente. Chegaremos em Caxias e depois São Luis, faremos novas amizades, mas no final sempre haverá a despedida, a saudade, como agora estou dos meus que ficaram no Rio Grande.
Queria complementar o pensamento de Fernanda Montenegro e dizer que viver é um ato de coragem. Precisamos ter coragem para estarmos sempre nos despedindo de alguém. Precisamos ter coragem para termos saudade, sentir dor, sentir falta, sentir ausência. E aí a gente aprende a sorrir que é para ‘aliviar a dor’, como diz o meu amigo Severino de Mossoró.
Para encerrar o diário, vou postar um outro comentário de Maneco Nascimento a respeito de nosso trabalho, e agora mais especificamente sobre o espetáculo que foi apresentado ontem, a saber A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró.

Teatro Tarará (II)
por maneco nascimento

"Cyrano de Bergerac", do francês Edmond Rostand, traduzido para o contexto do teatro da liberdade, da escolha criativa e renovada e da técnica apurada de exercer fascínio ao público, foi o que se assistiu em “A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró”, espetáculo apresentado dia 07 de abril de 2010, na Praça Aberta do Teatro Municipal João Paulo II, às 20 horas.
Mais uma pérola tirada da cartola d’O Pessoal do Tarará, Cia de Teatro de Mossoró, Rio Grande do Norte. Apropriado da boa e velha arte de representar o teatro contagiante para ruas e praças do coração brasileiro, esses artistas conhecem muito bem o caminho das pedras quando o assunto é a reinvenção da mentira convincente que a encenação deve proporcionar.
A ficha técnica do espetáculo é extensa, mas é de justa medida mencionar. A Direção e a Adaptação livre da obra “Cyrano de Bergerac” ficou a cargo de Dionizio do Apodi, que não pesa em excessos criativos, revaloriza o drama do anti herói com delicadeza atribuída à vida particular de qualquer pessoa simples, plantada no rincão brasis. Tem ainda a Colaboração de Lenilton Teixeira que, naturalmente, corrobora à linguagem de cumplicidade compartilhada.
Os arranjos musicais foram assinados por Cláudio Henrique e, pelos adicionais, responde Zelito Coringa. Preenchem de cor a natureza da encenação, sendo determinantes dos sons premeditados à composição dramatúrgica, como instigante vetor de prática musical dividida com o elenco, responsável pela sonorização e onomatopéias que ilustram a doce alegria do enredo manipulado.
Os figurinos e maquiagem de Marcos Leonardo repercutem plástica e estética distendidas ao sabor de pesquisa e elaboração do objeto encenado e convergem para tornar mais quente e pulsante a vida das personagens d’A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró. A peça reflete culturas, memórias e história da arte transversalizadas.
O Cenário d’O Pessoal do Tarará e de Chairon é breve chegada pra não + partir. Ganha força de expressão na composição da trama e vem muito bem auxiliado pela luz de Ronaldo Costa, que causa efeito de ressaltar os desenhos enredados às ilustrações de cenas conspiradas. A Montagem de cenário e a Operação de luz do espetáculo é de Alex Peteka.
Contextualizar discurso de autor e obra francesa, sem perder o cerne da origem e reorientar à cultura local, no que possa parecer fácil não deixa de exigir perícia e sensibilidade dos artistas recriadores. Dessa forma adaptador e atores parecem ter nascido já falando a linguagem aplicada. Somam intenções e ações cênicas com uma qualidade invejável.
O Severino, de Dionízio do Apodi; A Roxana, de Ludmila Albuquerque; o Cristiano, de Madson Ney; o Cabo Jurandir, de Maxson Ariton e o Vai e Vem, de Antonio Marcos, são peças azeitadas de um moto-contínuo prazer da práxis teatral. Elenco e direção afinados são provas vívidas de que a arte sobrevive das próprias experiências e do contingenciamento da busca de + acertos.
“A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró”, sendo drama de identidade universal, é também rico de verdade cênica de apreensão local e popular, com variantes de fantasia experimentada à sorte de melhor exercício aplicado pel’O Pessoal do Tarará.

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