segunda-feira, 19 de abril de 2010
14/04/2010 – Um dia inesquecível
Dionízio do Apodi
Hoje foi um dia especial, e o nosso profeta já dizia isso, antes de chegarmos ao final de nossa jornada. O ‘profeta Maxson’, no domingo passado, profetizou que não iria dar ninguém para assistir O Pulo do Gato, em São Luis, e acertou em cheio. A chuva nos obrigou a fazer apenas um ensaio no auditório do Museu da Praça Maria Aragão, no Centro de São Luis. Alguns do grupo falaram que foi mera coincidência, e que era fácil prever a ausência do público porque estava chovendo muito. Na segunda-feira o profeta calou e não disse nada para O Inspetor, e aí não tivemos um público muito grande. Aliás, foi bem pequeno. Então, no dia seguinte, por volta das 17h, o profeta Maxson disse que iria ter tanta gente para assistir O Inspetor Geraldo, que as cadeiras não seriam suficientes, e ficariam muitas pessoas em pé. E assim foi. Então, alguns do grupo disseram que a profecia foi fácil, porque o tempo não foi de chuva. Aí, hoje, quando chegamos na Praça Maria Aragão, às 15h, para montarmos tudo, o profeta disse que seria inesquecível. Não sei para os demais porque não conversamos sobre isso. Mas para mim, o profeta acertou mais uma vez.
Foi muito bom encerrar a primeira etapa do projeto em São Luis. Hoje o sol abriu bonito e apenas uma neblina rápida apareceu enquanto montávamos tudo. E o local escolhido foi de frente para a escadaria da praça, ao contrário dos outros dias onde devido a chuva fizemos na parte coberta. Concluímos a montagem por volta das 17h, e aproveitei que iríamos testar os microfones, para colocar por alguns instantes um cd de Gilberto Gil, onde repeti várias vezes uma música que diz: “Há de surgir uma estrela no céu toda vez que ocê sorrir. Há de apagar uma estrela no céu cada vez que ocê chorar. O contrário também bem que pode acontecer, de uma estrela brilhar quando uma lágrima cair. Ou de então de uma estrela cadente se jogar só pra ver a flor do seu sorriso se abrir...”. A noite ainda demoraria a chegar, mas a música talvez fosse um sinal do profeta, de que seria, realmente, uma noite brilhante.
Me deitei por alguns instantes na grama, ouvindo a música. Olhava o céu lindo, virava a cabeça para o lado e via um rio, com pequenas embarcações passando, no centro de São Luis. Foi bom. Ratifica a certeza de que estou fazendo a coisa certa. No meio de tanta correria, de tanta responsabilidade, parei e vi tanta coisa bonita. É isso. Por alguns instantes me reportei ao início do grupo, há mais de sete anos, quando tudo era só pensamento e pretensão. E a partir do momento que a roda começou a girar, tudo veio, e a cada dia desbravamos mais terrenos, em nossas expedições. Desde quando começamos o grupo tive certeza de que seríamos importantes para o teatro. Pode parecer pretensão, mas hoje, com 31 anos, tendo ‘amadurecido no carboreto’, e pelo momento que vivo, não tenho mais problemas em dizer das minhas certezas: há um espaço no teatro do Brasil que será nosso, porque estamos conquistando e buscando diariamente. E não tenho medo em afirmar que se o teatro fosse uma grande empresa mundial, seríamos acionistas, também. Não falo nem pela qualidade do trabalho, coisa que buscamos muito, mas pelo trabalho braçal, de entrega total a este teatro, que já foi representado por Shakespeare, Molière, Sófocles. É a esta casa que eu sirvo com a maior integridade.
A apresentação... foi... A Peleja do Amor no Coração... ah!, foi bonito, e pronto. Encerramos a primeira etapa. Obrigado, obrigado, muito obrigado às cidades que nos receberam. Queria dar um abraço em cada uma das pessoas que estiveram presentes desde o dia 27 de março, em Mossoró, passando por outras seis cidades de outros três estados. Foi bom em Aracati; driblamos muitas dificuldades em Fortaleza; a chuva não deixou sermos brilhantes em Piripiri mas fomos guerreiros; em Teresina recebemos uma massagem na alma; em Caxias ganhamos um novo amor; e em São Luis paramos para ver a vida passar. Em julho próximo, tem segunda etapa pelos outros estados do Nordeste. Participaram desta primeira etapa os atores Alex Peteka, Antônio Marcos, Dionízio do Apodi, Madson Ney, Maxson Ariton, Ludmila Albuquerque e Rosi Reis, além dos motoristas Deassis e Joelson, dos bravos Wellington Banana e Cássio, Zelito Coringa, Deyse e Amelie (esta lembrando-nos o tempo inteiro que para viver é preciso estar sempre renascendo).
quarta-feira, 14 de abril de 2010
13/04/2010 – Tudo passa
Dionízio do Apodi
Depois do primeiro dia que não veio ninguém devido a chuva; do segundo, que também com tempo de chuva, não deu muita gente; hoje São Luis se mostrou para o nosso grupo. Deu muita gente. As cadeiras não foram suficientes, e ficou muita gente em pé, para assistir A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró. A televisão ajudou bastante. Além das matérias feitas ontem pelo Canal Brasil e SBT, que foram veiculadas hoje, também concedemos uma entrevista ao vivo, na afiliada da Rede Globo no Maranhão. Foram três minutos e meio, no jornal que acontece ao meio-dia. Repercutiu bastante a matéria, e hoje tivemos um grande público, e fizemos uma boa apresentação.
Não há nada como apresentar para uma boa quantidade de pessoas. O sentido do teatro está aí, nessa comunhão entre ator e público, entre almas, entre humanos.
Confesso que fiquei com medo de não aparecer muitas pessoas porque passou o dia inteiro chovendo. Mas a chuva hoje foi bondosa conosco. Ao nos prepararmos nos camarins, embaixo do palco, ouvíamos Zelito Coringa cantar, e a plateia reagir positivamente ao trabalho dele. A abertura de Zelito já é um termômetro, e dá para saber se tem muita gente ou não, se o público está aberto ou não.
Nas últimas apresentações aconteceram alguns erros na execução das músicas com os instrumentos. Para acabar com o problema, Antônio Marcos hoje chegou e disse: “façamos o seguinte: quem errar leva ‘dedada’”. Isso valeu apenas para os homens. Alguns relutaram, mas depois, na brincadeira todo mundo embarcou. Antônio Marcos e Maxson eram os mais afoitos com a brincadeira, e foram exatamente eles, os únicos que erraram. Eu, quando toquei a minha última música, o ´foi embora’, que Ludmila canta, fiquei aliviado. Não seria eu que levaria dedada. Maxson foi o primeiro a errar no piano, e de cara, todos começaram, nos bastidores, a brincar e tirar onda com a cara dele. Antônio Marcos tirou tanta onda com ele, cantou vitória antes do tempo, e no finalzinho do espetáculo também errou, e completou a lista dos que levarão dedada.
Saindo da brincadeira, foi bom ver pessoas de teatro, do grupo de Marcelo Flecha. Pessoas também de um grupo de São Luis chamado Tapete. Ah, havia um casal mossoroense na plateia, que ao final do espetáculo fez questão de falar conosco. O marido era do bairro do Alto da Conceição, e a mulher do bairro São José. Faz anos que moram em São Luis, e têm um filho, que também esteve assistindo o grupo. Como é bom ver mossoroense em outras terras. A gente começa a conversar e sente-se em casa. Disseram que amanhã voltarão de novo.
Recebi notícias não muito boas, de caráter pessoal, vindas de Mossoró. Mas estou forte, e pronto para vencer qualquer imprevisto. Na vida é necessário coragem. “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Tudo há de passar.
Lembro da historinha em que um jovem rei recebia presentes valiosos de seus súditos, quando um deles entregou um livro, e disse: esse livro tem duas páginas. Quando tiver na maior tristeza de sua vida, passando pela maior dificuldade, leia a primeira. E a outra deverá ser lida quando tiver passando pelo momento de maior alegria. O jovem rei, mesmo sem muitas expectativas de que o livro de duas páginas pudesse lhe servir, o guardou. O reino que era próspero, começou a não mais prosperar, e o jovem rei passou por um momento de muita dificuldade. Desesperado, ele lembrou do livro, e abriu na primeira página, e lá estava escrito: isto vai passar. Pensando naquilo, o jovem rei não mais se desesperou, e teve calma e inteligência para sair das dificuldades. Tempos depois, o seu reino prosperava como nunca antes, e todos no reino eram despreocupados porque nada destruiria aquela situação. O rei lembrou do livro e foi ler a segunda página, e lá estava escrito: isto também vai passar.
12/04/2010 – Vai melhorar
Dionízio do Apodi
Ontem não apresentamos O Pulo do Gato, no auditório da Praça Maria Aragão em São Luis, por falta de público. A chuva caiu o dia inteiro, e não deu pausa. Como O Pulo do Gato é um espetáculo que é apresentado em sala fechada para um público limitado, ainda tivemos esperança de aparecer alguém, mas não deu. Fizemos uma passagem do espetáculo, para nós mesmos, com o objetivo de não perdermos o que conseguimos nos últimos dias, sem contar que eu queria gravar o espetáculo na íntegra, para avaliar depois. Foi bem divertido, e serviu para eu esquecer que o São Paulo perdeu de 3 a 2 para o Santos. Foi divertido principalmente por parte da platéia, que era só o grupo (eu, Ludmila, Deassis e Joelson – os dois motoristas, Rosi, Cássio e Wellington, e mais Zelito).
Hoje, o sol apareceu, e ficamos animados para o espetáculo da noite (O Inspetor Geraldo). Eu queria apresentar de frente para as escadarias da praça, que fica com um fundo muito bonito, com uma igreja (local utilizado para gravação de cenas de novelas da Globo, até). Mas não deu. Tivemos medo, porque durante toda a tarde, mesmo com sol, ficava caindo pingos muito finos, o que dificultaria o nosso trabalho de montagem e de apresentação também, caso caísse uma chuva, de vez.
Armamos tudo em cima do palco da praça, local aberto e amplo também, coberto, mas que não gosto devido obrigar as pessoas a subirem uma escada para chegarem ao local. Acho que para o público comum, quanto menos barreiras melhor. Ou seja, a real democracia acontece quando não existem barreiras. Gosto das escadarias porque é c aminho do povo. O povo passa e para. Mas apresentar em cima do palco da praça é a forma de nos protegermos da chuva, porque o palco é coberto.
Dois canais de televisão foram fazer matérias (O Canal Brasil e a TV Difusora, que é afiliada do SBT). Começamos tarde, atrasamos em quase 40 minutos, esperando alguém mais chegar, mas não deu muita gente. Acredito que umas 20 ou 30 pessoas estiveram para nos assistir. Presentes estavam César Boais (companheiro que está dando uma força enorme ao grupo – foi ele que arrumou as entrevistas, espaços para apresentações, etc), algumas pessoas de teatro, do grupo de Marcelo Flecha (que está em São Paulo dirigindo uma ópera), bem como a própria esposa dele. Fiquei feliz em saber que havia uma pessoa de Caxias na platéia, que assistiu a gente lá na sua cidade, e que hoje estava aqui. Que bom! Caxias foi marcante!
Mesmo não tendo um grande público, em quantidade de pessoas, pedi para os atores fazerem o espetáculo com todo o empenho. E assim, foi. Não foi uma grande apresentação porque teatro é o encontro do ator com a platéia, e para isso é necessária a comunhão entre os dois. O fato de um pequeno público está presente acaba intimidando a própria plateia. Mas foi uma boa experiência. Enriquece também. E amanhã acredito que aumentaremos o número de pessoas devido as matérias das tvs que estiveram aqui, e entrevistas que iremos conceder amanhã. Então, agora é esperar para termos bons públicos nas duas apresentações d´A Peleja do Amor na terça e na quarta.
Ah, o custo de vida aqui em São Luis é muito elevado. São muito caras as coisas na cidade. Não sabia que era assim. Deassis, um de nossos motoristas, precisou consertar a sua van, hoje, e teve que fazer algumas viagens de moto-táxi, entre a oficina e o centro. Gastou mais de R$ 70,00. Um copo de suco, em média, custa R$ 3,00. Uma Coca-Cola de 600, R$ 4,00. Acabo não entendendo o porquê das coisas serem tão caras aqui. Com os R$ 70,00 que Deassis gastou de moto-táxi ele faria um trajeto igual, no Rio de Janeiro, de táxi, e pagaria bem menos. Um lanche, que em Mossoró custa R$ 8,00 por pessoa, aqui chega a R$ 21,00.
Mas a cidade, principalmente a parte antiga é muito bonita. Da praça onde apresentamos podemos avistar um rio, uma ponte bem grande, que possui uma iluminação que muda de cor durante a noite, umas escadarias que dão para uma igreja muito bonita, e o próprio espaço, que é enorme e bem cuidado. Foi aqui onde há dias atrás Alcione gravou o DVD dela, com mais de sessenta mil pessoas. Os camarins ficam embaixo do palco e são muito confortáveis. É isso! Torço para que melhore o público amanhã.
domingo, 11 de abril de 2010
10/04/2010 – A saudade agora é de Caxias
Dionízio do Apodi
Mais uma vez a praça do Panteon, no centro de Caxias, no Maranhão, estava lotada. Que bom apresentar para muita gente. Em Fortaleza foi frustrante devido a quantidade de público que foi muito pequena, ao contrário de todas as outras cidades que já passamos. Mas Caxias foi um grande acontecimento. A cidade se mobilizou para assistir o nosso trabalho. Eram muitos carrinhos de pipoca, vendedores com isopô (água, refrigerante, cerveja), carrinhos de confeito, meios de comunicação, grande número de pessoas querendo tirar foto, chegar perto, falar, comprar nosso material (cartão, adesivo, jornal, etc).
Foi muito bom estar em Caxias. Quero voltar aqui. Antes de nosso espetáculo presenciei o ensaio de uma manifestação cultural genuinamente de Caxias, chamada ‘dança do Lili’. Ninguém me explicou o porquê do nome, mas curti bastante a dança e a música ao vivo que acompanhava. Foi muito bonito, e eu gravei tudo para colocar em nosso documentário.
Abrimos a programação da noite com a Lira Municipal de Caxias, que tocou várias músicas. Em seguida Zelito Coringa animou o público cantando o seu repertório, hoje composto de Xote Lindo, Pé-de-Pilão, dentre outras. Muito bom!
Aí veio O Inspetor Geraldo, e em seguida fizemos um pequeno bate-papo com os grupos da cidade, e foi muito bom, até a chuva aparecer e atrapalhar a nossa conversa. Mas deu certo. Tem muitos grupos na cidade que querem se organizar, fazer teatro, e no que pudermos colaborar, vamos fazer. Quero voltar a Caxias para realizar um projeto mais específico, e para isso, vou estudar algum projeto via Ministério da Cultura, onde possamos passar uma temporada por aqui, que poderia ser muito importante para nós. O Maranhão é um estado muito especial, em relação a cultura de raiz, e seria um grande aprendizado para o nosso grupo.
Para encerrar a noite, depois de tudo guardado, fomos comer em uma pizzaria, e Cássio roubou todas as atenções para ele, inventando coisas que faziam todos esquecerem o cansaço, e se divertir. Foi muito bom! Que São Luis possa ter a mesma energia!
sábado, 10 de abril de 2010
09/04/2010 – Uma grande abertura
Dionízio do Apodi
Chegamos em Caxias no início da tarde. É a primeira vez que apresentaremos no Estado do Maranhão. De cara, já fomos conhecer o espaço da apresentação, e conceder entrevista na filial do SBT. A secretária de cultura do município é uma senhora, professora aposentada, chamada Valkíria. Ela é muito simpática, chique, e prestativa, também. Fiquei ‘morrendo de dó’ quando cheguei na praça que seria realizada a apresentação, e vi uma estrutura de som, bem grande. Pensei que na noite anterior talvez tenha se apresentado uma banda, mas foi exatamente para nós usarmos. No centro da praça um tablado montado para a gente também. Aí vem a explicação do ‘morrendo de dó’. É porque não tínhamos como usar nem o palco nem o som que eles, carinhosamente colocaram para nós. Temos nossa estrutura própria, como havíamos acertado com Dona Valkíria. Mas por bondade até, querendo nos receber bem, fizeram isto para nós.
Montamos a nossa estrutura e o pessoal da Secretaria de Cultura trouxe as cadeiras para o público, e começou a arrumar. Era muita cadeira, e eu fiquei com medo de não conseguirmos preencher tantos lugares. Mas a verdade foi que para atender a público tão grande, precisaríamos de mais um dobro ou triplo das cadeiras que lá estavam. Foi muita gente. Nosso maior púbico neste projeto até aqui, foi hoje. Como é bom apresentar para um público grande, que quer assistir o espetáculo.
Quando nos preparávamos para a apresentação, já ouvíamos Zelito Coringa abrindo a noite com seu repertório, e o público querendo, participando, aplaudindo. E quero registrar, que antes de Zelito Coringa, a banda municipal tocou algumas músicas. Literalmente fomos recebidos em Caxias, no Maranhão, com banda de música. Montaram um parquinho para crianças, ao lado da praça devido ao nosso projeto, e os vendedores ambulantes venderam muito. Que lindo!
No meio da apresentação d´A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró, começou a neblinar. Aliás, antes do espetáculo já caíam alguns pingos do céu. Seguramos até a cena da janela, e aí não deu. Começou a cair pingos mais fortes, e tivemos que parar e explicar ao público que teríamos que aguardar, porque nossos equipamentos não poderiam entrar em contato com água. O povo entendeu, e aguardou. E quando vimos que daria para continuar, tiramos as lonas de proteção dos equipamentos, e continuamos, de onde havíamos parado.
O público continuou, mas depois da pausa, houve alguma dispersão, e demoramos um pouco a colocar o público no clima do espetáculo. Mas deu certo, foi muito bom, e fomos bastante aplaudidos. Aliás, em vários momentos do espetáculo o público aplaudia calorosamente.
Depois do espetáculo, desmontamos tudo, organizamos nas vans, fomos comer, e depois cama. Estavam todos cansados. Nesta fase da viagem, Deyse está gripada, e bem debilitada. Camila também já passou por isso, sem contar Maxson que estava meio baquiado, Ludmila está com tosse desde o início, e Antônio Marcos rouco. O grupo ainda não sabe tirar proveito do repouso para os espetáculos. Apesar da maratona, às vezes não encontro o ‘profissionalismo concentrado’ que Maneco Nascimento, de Teresina, escreveu sobre o nosso grupo. O cuidado com a voz precisa ser mais de verdade. E que bom os microfones na rua. Não há necessidade de grito, e todo mundo entende. Só não quero me acostumar somente com eles. Quero minha voz pronta para o microfone, e para falar sem ele, também.
Finalizando, coloco aqui o último comentário de Maneco Nascimento sobre o nosso trabalho, a partir do que ele viu na terra dele, Teresina. Hoje ele comenta sobre O Pulo do Gato.
vidas animais
Cães e Gatos
por maneco nascimento
Para quem achava que já havia visto tudo, parda surpresa. Depois da luxuosa performance d’O Pessoal do Tarará nas ricas montagens de “O Inspetor Geraldo” e “A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró”, foi a vez da reconfortável aula de teatro para gregos e anglicanos, sejam de Tróia ou de Teresina.
O espetáculo “O Pulo do Gato”, sem deixar de ser mágico mundo da fantasia criadora do teatro expressionista, é também força motriz avassaladora do homem para a arte e da arte para as respostas de recepção do coletivo. Contamina a audiência, compraz, refuta, abre as + diversas margens de interpretações, tornando o ato em si no teatro mais vivo que se pode vislumbrar.
“O Pulo do Gato” é um espetáculo sem falas, da lingüística normativa, em que os atores revertidos de cachorros e gato expressam sentimentos “animais”, através do corpo, de latidos e miados. Prosopopéias fascinantes, num tênue limite entre fantasia e realidade, em que nunca se sabe ao certo onde está o bicho ou o homem.
Sentimentos humanos dessacralizados de situações corriqueiras de violência, carinho, solidão e amizade postas à prova, têm nos corpos falantes dos atores emblemáticas e expressionistas siglas e signos para os + distintos significados e significantes. Reproduzem radicais feras que ficaram amaciadas no contexto racional, mas que parecem preservadas no primitivo limbo do plano natural, quando houve a separação do animal rude para almejar o sapiens sapiens.
O interior de cada ator parece desaguar na “fábula perigosa” em que os atores interpretam a vida comezinha de cães e gato. Segundo o Grupo, o espetáculo partiu da necessidade de valorizar o encontro do ator com o espectador, como o maior momento do teatro e, por isso, assume a influência do Teatro Pobre de Grotowski, dispensando uma maior atenção para as inúmeras possibilidades disponibilizadas à expressão do intérprete, sem a necessidade de figurinos, cenário, música instrumental e da própria linguagem humana.
Não se questiona a falta do humano nas atitudes “animais” do desenho dramático confeccionado. O espelho invertido de Alice é fato presente sempre e cada convidado ao enredo recupera sua própria recepção. O espetáculo “O Pulo do Gato” salta todos os telhados de vidro e deixa sua marca, martelando fragmentos na areia aquecida que parecia nos afastar das vidas certinhas forjadas ao olho social.
A metáfora não poderia ter sido melhor construída. É compreendida por qualquer pessoa, porque a vida é como ela é e, no teatro, ganha energia que choca, embevece e guarda novidades para serem lambidas, mijadas e digeridas posteriormente. Assim é “O Pulo do Gato”, d’O Pessoal do Tarará.
A Direção de Dionízio do Apodi é sublime. O que dizer da Preparação Corporal de Rodrigo Silbat que deixa a platéia hipnotizada. A Preparação Vocal de Alzeny Melo não deixa ruídos para interpretações vazias. A Iluminação de Alex Peteka e Dionízio do Apodi e a Produção de Ludmila Albuquerque e Rosi Reis fecham a pintura da paleta contemporânea para gêneros textuais diversos.
Caso haja uma conspiração do universo para as cenas de cães e gato construídas pelos cachorrões Joli(Madson Ney), Jupi(Antonio Marcos), Gugu(Alex Peteka) e o dissimulado gat(inh)o Mingau, de Maxson Ariton, nada foi desperdiçado das aulas de "adestramento doméstico" realizadas pela equipe de dramaturgia d”O Pulo do Gato”.
Teresina nunca + será a mesma, depois da passagem furiosa desse furacão de arte e cultura chamado “O pessoal do Tarará”.
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